Como explicar aos jovens de hoje o que eram as aldeias portuguesas há cinquenta anos?
Por algumas fotografias e sequências de filmes podemos ver casas, ruas, pessoas e cenas agrícolas, mas não mostram aquilo que fazia com que uma aldeia fosse um microcosmos da cultura, um espaço fortemente integrador com um intenso poder de investimento afectivo, e um estreito círculo de solidariedade.
Eram um mundo de trabalho, de paisagens agrícolas, vinhas e olivais com árvores frondosas.
Um ambiente de cheiros a fumo de lareira, a feno colhido, a palha moída ou a mosto dos alambiques. Miúdos a correr e a jogar, patuscadas nocturnas da rapaziada, histórias de vida contadas na adega ou na taberna do lado, mexericos de velhas. Olhares furtivos à passagem dum estranho, forte controle social. A cultura aldeã dava para vários tratados, curas com ervas, palavras e orações. A minha avó até era chamada muitas vezes para servir de parteira.
Nos anos 60, grupos de estrangeiros de classe média passavam parte das férias em Portugal a observar o sistema social aldeão; mas não só as aldeias «típicas»: qualquer aldeia. Todas eram primorosas criações da cultura rural: casas e varandas convidativas elegantemente modestas com primosas plantações, caminhos de terra tortuosos e sombrios propícios aos medos nocturnos, conversas à porta e à janela, uma forte ligação casa-trabalho-rua e muito sentido de hospitalidade.
A criação para as mais variadas situações da vida: ciclos do pão, do vinho, do azeite e do pinhal; cantares da água, das fontes e do rio; cantigas da lavra, do semeador, da sacha, desfolhada da escamisada da rega, das colheitas e das eiras, ciclo festivo anual, cantares daquilo que mais se ouvia nas romarias, cantigas de namoro, cantares sobre a toponímia local, sobre a vida familiar e social, cantigas do bom e de mau humor e da reinação.
A quase totalidade das eiras, casas anexas, adegas, alambiques, lagares, palheiros e barracões caíram ou foram demolidas. De facto, a vida era cantada. Cantava-se em todas as tarefas dos campos e da casa, para esquecer o tempo, para encurtar os caminhos, para animar os acompanhantes e para vencer as amarguras da vida.
Algumas das típicas ruas foram alcatroadas e perderam a graça. Houve uma substituição quase total do belo lugar de então e isto é válido para todo o País rural. Um mundo perdido.
E hoje, o que é uma aldeia?
Um pequeno aglomerado de habitações abandonadas e em ruinas.
Trabalho agrícola? Nada.
Vida social? Nada.
Criação cultural? Nada.
Ninguém nas ruas. Solidão de fugir.
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